domingo, 20 de janeiro de 2013

29 de janeiro. Dia Nacional de Visibilidade de Travestis e Transexuais!


Travesti, o teu Preconceito.

O azul cálido da parede contrastava com o azul de fora da esquadria. E era aquele azul que eu
sempre quis buscar.
Eu olhei minha face no espelho. Eu, no holograma minucioso com detalhes agudos, eu me enxergava nítida, como numa poça de chuva, depois do turbilhão que se passava dentro da minha cabeça. E, sim, eu conseguia sorrir mesmo desfigurada. Eu me vi mulher naturalmente como se sempre houvesse sido. Eu experimentei minhas formas como se apenas tivesse tido a paciência de esperá-las desabrochar, como uma menina boba que anseia por seios ainda aos 12 anos. Eu me vi completa e absorvi cada dia como se fosse o último. Porque a dádiva de estar viva no Brasil sendo uma travesti ou transexual é quase um milagre divino.
Nós somos a mutação natural do que a natureza falhou em esculpir desde o início. Eu observei amigas sendo massacradas, homenageadas depois de morta como se o mérito de ter existido bastasse.
Não, a vida não se trata somente de existir ou não, é preciso sobressair, edificar, pisar na terra e sentir-se viva mesmo aos prantos. Mesmo que a tal terra seja ao lado de uma cova de uma amiga que morreu por motivo torpe.
Somos travestis e transexuais aos montes, mulheres ceifadas do direito de parir por um erro de DNA. Como se já não bastasse isso, somos privadas de termos amor, o nome que bem quisermos, e temos travado na linha fria da vida o direito também de caminhar como qualquer mulher, seja ela feliz ou não.
Não, não são os seios e os cabelos compridos que me fazem plena! Porque o que adquiri com o tempo não me fez travesti. Eu sempre fui. Eu turbinei meu corpo, fiz o alinhamento dos quadris, a calibragem do meu eixo, e, na busca incessante de felicidade, eu, talvez, tenha esquecido de trocar as velas do coração.
Mas aí eu me indago: De que serve o coração em certos momentos? Para outra travesti? Para uma transexual? A não ser para acomodar balas ou faca de transfórmico ou ainda desamor do inaceitável.
Somos travestis e transexuais aos milhares, guardadas, lacradas dentro de contêineres esperando uma liberação federal para que possamos ser distribuídas nas prateleiras da vida.
Somos as tais bonecas do mau gosto que as mães não comprariam, que os pais esconderiam e que os filhos teriam curiosidade de tocar e pasmariam em descobrir que além de falar também somos dotadas do poder insano de amar. Bicho, mulher, com instinto maternal que abraça a criança desesperada que a família expulsou de casa, mas uma cria da vida exposta ao genocídio constante de almas.
Sim, minha Sim, minhas caras e meus caros, somos as humanas pré-históricas, objetos de pesquisas e estudos científicos para que não se descubra nada além de incompreensão. Somos nossas próprias mães, pais, aconchego e polícia, somos das casas, das ruas, dos hospitais, das delegacias, somos fruto da falta de entendimento entre o civil e o parlamentar, talvez. Mas creio eu que somos totais vítimas da falta de educação de um país onde não se respeita o que vai além do seu entendimento. E assim com tudo, desde a religião ao próprio amor.
Travestis, transexuais, transgênero, lésbicas, gays, intersexuais, bissexuais, pansexuais,
travestis. Travestis. Travas em ti o teu preconceito porque a vida já é difícil demais para todos nós”.
Obrigada.


Poema de Rafael Menezes, declamado por Keila Simpson, na II Conferência Nacional LGBT

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Existem prioridades na luta?


 Transcrição de trecho do livro "Devassos no Paraíso" de João Silverio Trevisan. Militante do movimento LGBT (na época Movimento Homossexual) desde a época da ditadura, fundador do grupo Somos e do jornal Lampião na Esquina.
Existem lutas políticas mais importantes que outras? Quem define nossas pautas de militancia?
O texto recupera um pouco da história da militancia LGBT em nosso país e seus embates com a esquerda universitária por um lugar ao sol das lutas legitimas.









Capítulo 2 - Novas idéias no front, pág 343. - Devassos no Paraíso
Nosso pequeno grupo se encontrava num impasse quando, em 8 de fevereiro de 1979, teve a oportunidade de estrear num debate público, na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, então um dos pulmões do progressismo oficial brasileiro. O auditório estava abarrotado. E nosso discurso político ainda não tinha amadurecido. À mesa, eu e outros representantes do grupo tínhamos tomado calmante e alguns sofriam de diarréia. Como era de se esperar, as posições se encarniçaram. De um lado, estudantes e profissionais da esquerda universitária protestavam sua fidelidade ao dogma da luta de classes e ao carisma do proletariado. De outro, nós reivindicávamos a originalidade de nossa discussão e independência de nossa análise, não abrangidas necessariamente pela luta de classes, mas nem por isso menos preocupados com a transformação social. A primeira posição representava a “luta maior”, segundo a qual haveria prioridades revolucionarias – e a prioridade máxima era, justamente, a luta do proletariado que deflagaria e conduziria a revolução em seu sentido mais abrangente, sendo o demais irrelevante e até divisionista. Diante dela, nós éramos a “luta menor”, portanto secundária, enquanto contraposição que ousava contestar isso que nos parecia uma sacralização da classe operaria; na melhor das hipóteses, não passávamos de “minorias” – nome, aliás, da série de debates da qual estávamos participando. Na noite anterior, já os negros, que vinham se organziando contra a discriminação racial e pela afirmação de sua cultura, independentemente da luta partidária, tinham sido massacrados por grande parte do público (de brancos), sob acusação de estar promovendo uma reles “discussão existencial” em torno de sua problemática. Como se previa que num debate inédito sobre homossexualismo o auditório estava cheio de bichas e lésbicas, nós da mesa combináramos quejogaríamos as perguntas de volta ao público, sempre que possível, para que ele assumisse a briga sem necessidade de porta-vozes. Quando, no decorrer da acalorada discussão, um esquerdista ortodoxo (na verdade, uma bicha enrustida que eu conhecia) observou que a luta homossexual não passava de uma escamoteação da luta de classes, não contive minha informação: subi numa cadeira e pedi às pessoas do auditório que relatassem fatos concretos de como nós homossexuais éramos escamoteados  justamente em nome da luta de classes. A reação foi fulminante. Homens e mulheres, visivelmente emocionados e sem medo de aparecer publicamente como homossexuais, levantaram-se para relatar, em alto e bom som, experiências pessoais de discriminação de setores progressistas contra eles, por sua orientação sexual. Assim foi citado o exemplo de uma professora daquela mesma universidade, que solicitara aos alunos um trabalho escolar analisando os motivos da ausência de homossexuais entre os operários. Essa era, na época, a mesma opinião do então messiânico líder sindical Lula, que definira o feminismo como “coisa de quem não tem o que fazer”. Como se podia esperar, foram trocados xingos entre representantes do movimento estudantil e homossexuais ali presentes – sinal de que já sabíamos enfrentar e não pedíamos desculpas pelo que éramos . “O importante é a liberdade, que inclui o direito de cada um ir para a cama com quem quiser”, gritava uma estudante homossexual. “Se não for para caminhar juntos, então eu quero que os homossexuais vão à puta-que-pariu”, contestava um jovem esquerdista. Ao que outro homossexual, da platéia, gritava: “O problema de qualquer revolução é saber quem vai lavar a louça depois.” Risos, apupos, palmas. Ao final das três horas de debate, nossas camisas empapadas de suor davam a sensação de que o movimento homossexual brasileiro acabava de conquistar o espaço que lhe era devido. Nossa luta estava finalmente na rua. Emocionados e nos beijando em público, já não sentíamos nenhum pudor ideológico. Só não sabíamos que aquele nosso primeiro enfrentamento com a esquerda universitária não seria o último, nem o mais violento. Meses depois, fomos informados de que, na mesma faculdade onde ocorrerá o debate, um ativista guei (que gostava de se apresentar, provocadoramente, com o nome feminino de Taís e desfilar travestido pelas ruas noturnas de São Paulo) tinha sido atraído para um bosque nas vizinhanças e aí recebera uma surra, quelhe custou um dente quebrado; enquanto o espancavam, os quatro militantes esquerdistas (seus conhecidos) acusavam-no de estar tentando dividir a luta do proletariado e o exortavam a parar com “essa frescura de movimento homossexual”.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A humilhação em cada esquina.

A homofobia não passará, nem passarinho.
Ontem a noite (8 de janeiro de 2013) xs alunxs da UnB encontraram no Centro Acadêmico de Direito uma pichação homofóbica, que não é uma, mas mais uma pichação homofóbica.
A diretoria lançou uma nota de repúdio, e com muita coragem se posiciona frontalmente a qualquer forma de homofóbia. 

http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2013/01/no-2-dia-de-aula-estudantes-da-unb-encontram-pichacao-ofensiva-no-ca.html

"Muito se lutou nessa Faculdade para que a bandeira LGBT fosse levantada, para que um beijaço pudesse ocorrer de forma minimamente razoável em nossos Batizados, para que o racismo fosse visto e tratado como problema sério, para que o feminismo fosse discutido, para que a pauta de gênero fosse colocada na nossa agenda e para que o machismo fosse combatido. Muito se lutou para que as opressões saíssem da invibilização e entrassem no nosso contexto argumentativo. Muito se lutou para que nós pudéssemos ser o que realmente somos! Muito se lutou para se tentar fazer o mínimo, que é o tratamento igual entre todas/os nós, independentemente da sua cor, origem, classe, orientação sexual, sexo ou gênero! Muito se lutou para que nós pudéssemos ter voz!"


A humilhação homofóbica está escrita em cada esquina, nas portas dos banheiros, nas portas das salas de aulas. Ainda assim, ela não choca, nem assusta a ninguém. Violência gratuita e dissimulada que participa de nosso cotidiano como se fosse comum, natural ou normal. 

Ainda assim, é preciso que nos mobilizemos proativamente, de forma que conseguimos nos manter sadixs, de pé, fortalecendo nossas amizades, criando mais laços e com menos acusações destroçantes.

A pichação que tá ai embaixo está nessa porta de uma sala de aula da Universidade de Brasília desde quando eu estava no terceiro semestre, cursando Teoria Sociologia Marxista e tendo que lidar cotidianamente com um ódio gratuito. Agora, já no sétimo semestre, finalmente uma resposta apareceu, resposta lúdica, feliz, que me fez rir e acreditar. Uma resposta criativa, direta e muito massa!

Desde então passei eu mesmo, seguindo o exemplo, a também responder outras pichações, dos banheiros, das portas, dos ônibus. Fica então a sugestão para todas amigas e amigos que não desistiram: As homofobias não passarão, nem passarinho.




‎"Que continuem nos ofendendo nas paredes, pois continuaremos escrevendo e colorindo por cima! Que continuem arrancado e jogando fora as bandeiras, pois outras bandeiras virão até o dia em que ser gay, lésbica, negro ou mulher não ofender ninguém, até o dia em que bandeiras não forem mais necessárias! Que continuem negando nossa existência, pois continuaremos a existir independentemente e contra vossas vontades!"

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Angélica Ivo é uma mãe pela igualdade.

"Eu hoje estou aqui, expondo a minha história, expondo a minha vida. Assim que eu descobri que meu filho estava morto - eu soube que meu filho estava morto por um jornal - e até o momento do velório eu não sabia que meu filho tinha sido vítima de crime de ódio, que existia essa palavra, e que pessoas praticavam crime de ódio. Eu não sabia que literalmente alguém tirava a vida de outro ser humano com tanto requinte. Então é um apelo de mãe, eu não quero que ninguém esteja no meu lugar, eu não quero que ninguém sinta o que estou sentindo."
Angélica Ivo é uma Mãe Pela Igualdade. Movimento de mulheres mães de lésbicas, gueis, bissexuais, travestis e transexuais que lutam pelo direito de suas filhas e filhos viverem livremente.
http://maespelaigualdade.blogspot.com.br/
https://www.facebook.com/groups/182694788475534/?fref=ts